Em um continente perpassado por massacres e genocídios sistemáticos encontra-se o Povo Yanomami, para quem “sobreviver é a maior dificuldade e a morte lenta o destino mais próximo” (Jon Sobrino sj).
Para aprofundar a dimensão do já tão denunciado – porém, infelizmente, com pouca efetividade prática – genocídio Yanomami, aconteceu o debate: genocídio e resistência, promovido pelo IHU da Unisinus, e a participação da Irmã Mary Agnes e outros. Durante mais de duas horas os convidados puderam trazer sua experiência e reflexões críticas a partir de uma vivência comprometida com a causa indígena.
O início do processo da retirada dos garimpeiros foi um passo fundamental que o atual governo deu, apesar de ainda inconcluso”, e o “fornecimento de alimentação para as crianças com graves problemas de desnutrição”, a retomada do diálogo com o governo federal, aumentou um pouco a esperança deste povo.
O que precisa avançar é garantir um efetivo plano de segurança para a Terra Indígena Yanomami, assegurando a proteção das comunidades e das equipes de saúde.
Profunda conhecedora da espiritualidade e cosmologia deste povo, a irmã compreende sua missão como um seguimento ao trabalho iniciado pelos seus companheiros e companheiras da Consolata, em 1965, com a fundação da Missão Catrimani. Destacou o Irmão Carlo Zacquini que dedicou mais de 50 anos de sua vida a se fazer Yanomami com os Yanomami. Essa instigante história de amor e compromisso entre as irmãs, os padres, os irmãos da Consolata e o Povo Yanomami está registrada no livro de Corrado Dalmonego, O encontro Nohimayou. Memórias da Missão Catrimani: construindo relações de alianças com o povo Yanomami.
A Irmã Mary Agnes recuperou, ainda, a memória da catastrófica construção da Perimetral, nos anos 1970 e a terrível onda garimpeira dos anos 1980, recordando a profética presença da Diocese de Roraima nesses momentos tão duros e difíceis. A estimativa de indígenas mortos nessa época passava de 2.500 Yanomami. Como não lembrar um dos maiores bispos da Amazônia de todos os tempos, o saudoso Dom Aldo Mongiano, que certa vez apontou para a refratária sociedade roraimense o “privilégio que era ter o Povo Yanomami em seu meio”...
“Quando cheguei nos anos 2000”, segue a religiosa, “o objetivo era investir na formação dos Yanomami, para que fossem protagonistas da sua história, tanto na saúde quanto na educação”. Métodos paternalistas não serviam mais, segundo o novo proceder do CIMI, mas sim a busca pela conscientização dos povos. Para tanto se valeu de sua formação como enfermeira e pôde “colaborar na preparação de novos agentes indígenas de saúde (AIS), que buscavam acabar com a malária que os invadiam. Com a mais recente invasão garimpeira, os índices de malária explodiram novamente, castigando de forma cruel os donos da terra.
Como testemunha de uma história de muita luta, partilhou ter visto “o nascimento das associações indígenas, na busca pelos seus direitos, mas a volta intensa dos garimpeiros foi como um triste pesadelo.
Fazendo referência ao Carnaval, lembrou do samba-enredo da Salgueiro que gritou a resistência do povo Yanomami e, como boa conhecedora dessa língua, explicou: ya temí xoa – eu estou vivo, presente, resisto. O Fórum de Lideranças Yanomami, 10 a 14/JUL/2023, declararam: ‘é preciso retirar os garimpeiros, controlar os avanços da malária e reconstruir o sistema de atendimento da saúde para que possamos retomar nossas vidas’”.
Os Yanomami sabem o que querem, já as autoridades federais não parecem ter tanta certeza... Como se não bastasse, para não ficar devendo às piores histórias de terror, mesmo após a vitoriosa demarcação da Terra Indígena, em 1992, no ano seguinte ocorreu o covarde massacre de Haximu, com ampla repercussão internacional, graças aos relatos das religiosas da Diocese de Roraima. “Os Yanomami estão sendo agredidos há décadas e não há nenhuma perspectiva por parte do Estado brasileiro de pôr fim a essas violações”.
Para que bem se compreenda o nível de gravidade do genocídio, foi durante o governo Bolsonaro que se promoveu um novo estímulo ao garimpo, mas agora com o agravante dessa atividade ilícita contar com o apoio e controle do crime organizado, inclusive de narcotraficantes. Expôs que, apesar da atual administração ter envidado “esforços e boas intenções, não conseguiram fazer cessar as agressões”, pois uma parcela de genocidas que compõe o atual governo também estava no anterior.
Disputas por protagonismo e ciúmes infantis entre os agentes estatais que integram o campo democrático, e precisam travar embates com os anti-indígenas que compõem o governo, só postergam qualquer solução e minam cada vez mais um já combalido Povo Yanomami. Haverá espaço para união e trabalho conjunto entre os poucos, mas esperados aliados da causa indígena ou os egos e interesses outros se sobreporão ao grito “ya temí xoa”?
0 comments:
Postar um comentário