O Pe. Antônio Vieira (1608-1697) é um dos grandes personagens do século XVII na literatura e na política, por defender os escravos e os indígenas do Brasil.
Seus sermões e cartas ainda hoje são objetos de estudo nas universidades. O Pe. Antônio Vieira, numa viagem entre Portugal e o Brasil, exatamente no Natal de 1652, fez uma parada em Cabo Verde porque o navio foi atacado por piratas. Ali passou um mês, período em que escreveu uma série de cartas, chamadas Cartas de Cabo Verde.
Essas cartas são de grande importância para a história de Cabo Verde. Vieira escreveu para o bispo do Japão; para o superior Geral da Companhia de Jesus, em Roma, e para o superior Provincial em Lisboa. Esses três destinatários ficaram sabendo como era Cabo Verde. Os primeiros grandes documentos sobre Cabo Verde são as cartas de Pe. Vieira.
O Pe. Vieira, cronologicamente, está dentro do universo barroco e o pensamento dele é um pensamento muito complexo, muito marcado pelo ‘conceptismo’, que é um jogo de ideias, contrárias para se chegar a um denominador comum – isso é muito típico do barroco. Toda ‘sermonística’ do Pe. Vieira, que é um gênero da literatura, através dos sermões barrocos, e a epistolografia, ou seja, as cartas dele, são marcados por esse pensamento complexo, próprio do tempo dele. Isso porque o barroco não é a linearidade, o barroco é a complexidade não só de pensamento, mas artística também.
O Padre António Vieira passou a semana do Natal de 1652 na Cidade Velha, em Cabo Verde, onde pregou dois sermões (22 e 26 de dezembro) com tal sucesso que a população não o queria deixá-lo partir para o Brasil.
A estadia de seis dias em Cabo Verde não estava prevista, mas o barco em que viajava o Vieira apanhou uma tempestade depois de passar a ilha da Madeira, tendo de ser reparado na primeira cidade do então arquipélago português.
Foi assim, de forma forçada, que o autor dos Sermões teve de permanecer uma semana em Cabo Verde.
A presença de Vieira em Cabo Verde foi tão intensa que a população manifestou desejos de que ele ficasse na ilha, tendo Vieira de embarcar quase secretamente para poder seguir viagem.
A curta visita ao arquipélago foi descrita com pormenores pelo próprio Vieira, em duas cartas que escreveu. Uma a André Fernandes, bispo eleito do Japão, escrita em Cabo Verde, dia de Natal, e outra dirigida ao provincial do Brasil, escrita já no Maranhão, em 22 de Maio de 1653.
Da passagem de António Vieira subsiste a fortaleza de São Filipe, o pelourinho gótico em mármore (de 1512), e ainda que a catedral não tivesse sido construída "existia já um complexo monumental de edifícios que incluíam a cúria diocesana, os edifícios do cabido e uma parte administrativa".
A Rua Banana e a Rua Carreira são também do tempo da visita do Padre e "muitas das casas que ainda hoje estão habitadas são as mesmas".
Desse tempo resta também a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, antigamente chamada de Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, onde o Padre António Vieira pregou o sermão de 22 de dezembro, num pequeno púlpito ao lado esquerdo da nave.
A escassos metros desta os jesuítas instalaram um colégio em 1604, onde permaneceram até 1642, quando abandonaram o terreno depois de conflitos com o clero local e a nova administração portuguesa.
O próprio António Vieira, que refere a existência do colégio, indica que o edifício estava em boas condições e insistia junto dos seus superiores e autoridades do reino para que os jesuítas regressassem a Cabo Verde, o que não aconteceu.
De resto, é também Vieira que descreve a chegada da caravela em que viajava à vila da Praia (hoje Cidade da Praia, capital de Cabo Verde), no dia 20 de dezembro de 1652, fundeando um dia depois na Ribeira Grande, onde foi convidado pelo governador a hospedar-se na sua residência.
Vieira estimou em 120.000 habitantes a população das ilhas, mas mencionou que a grande diocese comportava pelas 400 léguas da costa africana uma população de milhões de gentios, gente sem idolatrias e ávidos de conhecerem a fé cristã e de se batizarem.
Vieira pregou um sermão no dia 22 de dezembro, quarto domingo do Advento, sobre São João Baptista e o batismo da penitência e outro no dia da sua partida, a 26 de dezembro, este destinado aos padres do capítulo da Sé, exortando-os a irem ao encontro das populações das ilhas e da costa africana, com um recado muito à sua maneira: se para isso deixassem as cadeiras e coro da sua Sé, louvariam muito mais a Deus e lhe fariam muito mais agradável serviço.
O Padre António Vieira partiu de Cabo Verde a 26 de dezembro de 1652 e chegou ao Maranhão a 16 de Janeiro de 1653, de onde acabaria por ser expulso pelos colonos por defender a liberdade para os índios.
Ainda que tivesse atravessado o oceano sete vezes, naufragado e sido assaltado por piratas, só uma vez esteve em Cabo Verde.
Vieira morreu aos 89 anos na Bahia, quando já tinha publicado os seus Sermões.
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